Retificar ou não retificar, eis a questão!
Há alguns anos escrevi um artigo sobre retificações de assentos de registro civil no âmbito de pedidos de reconhecimento da cidadania italiana. Ei-lo: O reconhecimento da cidadania italiana e as retificações de registro civil. Se ainda não leram, convido-os a ler antes de prosseguir.
Eu explico naquele artigo que não há regras sobre essa questão. Simplesmente não existe nenhuma conduta prevista em leis ou outras normas que indiquem se é ou não necessário retificar esse ou aquele erro. E isso vale para todos os tipos de erro, a saber:
- Grafias de nomes e sobrenomes
- Havendo erro de grafia, até que tipo de “gravidade” se aceita (se é uma simples letra ou desconfiguração total)
- Nomes a mais e nomes a menos (chamava-se Giuseppe Pietro, mas no Brasil só usava José)
- Datas e idades erradas
- Nomes e/ou sobrenome de cônjuges
- Localidades que mudaram de denominação (nasceu em Anápolis SP, mas no casamento consta Analândia SP)
- Especificidade do local de nascimento (nasceu em Rossano, Cosenza, mas no registro de casamento brasileiro consta só “nascido em Cosenza”)
- Falta de anotações de casamento e/ou óbito no registro de nascimento.
Enfim, é uma enorme lista de possíveis problemas que podem estar presentes nos registros brasileiros. A angústia é saber: retifico ou não? O comune vai aceitar ou não? Como eu afirmo naquele artigo, é simplesmente impossível prever com segurança. Havendo uma ausência total de leis e/ou normas sobre o tema, cada um aplica a regra que considerar oportuna naquele determinado momento.
Se houver bom senso por parte de quem receberá seu pedido de cidadania, a esmagadora maioria dos erros é simplesmente irrelevante. O problema é que vige no mundo da cidadania italiana a opção pelo obstrucionismo. E o que é “obstrucionismo”? Leia meu outro artigo: Afinal, o que é esse tal de “obstrucionismo”?
Para resumir, obstrucionismo é a vontade de criar obstáculos por puro prazer, exercendo um mórbido “pequeno poder” para tornar a vida do cidadão que requer a cidadania a mais difícil possível, como uma forma de castigo.
Mas, Taddone, por que querem me castigar? Muitos funcionários, seja de consulados ou de municípios italianos, considera injusto e inadequado reconhecer a cidadania italiana dos descendentes de segunda, terceira ou quarta gerações. Portanto, usarão o sistema (numa espécie “gaming the system”) para tornar a vida do requerente a mais complicada possível na esperança de que ele desista. Quantos mais desistem, mais sucesso terá o funcionário obstrucionista.
Se o cidadão não desiste, pelo menos o funcionário obstrucionista terá tido o gostinho de tê-lo feito penar, sofrer. Já ouvi de alguns funcionários que a cidadania italiana é muito generosa e fácil, então o mínimo é fazer com que o requerente sofra um pouco para “dar valor”.
Muitos requerentes então decidem: “vou retificar tudo!”. Consideram que assim terão paz e certeza de que tudo dará certo.
Infelizmente nada pode te dar essa paz absoluta. Recentemente, sobretudo devido ao livro “Il riconoscimento della cittadinanza italiana iure sanguinis” (nov. 2017) de Renzo Calvigioni e Tiziana Piola (ver página 140), tem se registrado uma nova tendência: solicitar aos requerentes que apresentem a sentença judicial brasileira que provocou a retificação dos registros. Traduzida e apostilada. E dá-lhe dinheiro para pagar tudo isso!
O custo adicional é algo ruim, mas não é o pior. Muitos retificam administrativamente (“direto no cartório”) e, portanto, não há sentença judicial, mas apenas um despacho interno do oficial do cartório, que não raramente se nega a fornecê-lo ao cidadão. Aí tem início um labirinto burocrático complicado.
Enfim, não quero desanimar ninguém. Recebo diariamente várias mensagens de pessoas procurando algo que as tranquilize, todavia não tenho como dar essa tranquilidade. Se o fizesse, seria simpático, mas irresponsável, pois poderia mais adiante causar um mal muito maior.
No estágio em que o mundo da cidadania italiana se encontra, qualquer mínima coisa pode ensejar um obstrucionismo insano e para o qual não há remédio que não seja a interferência de um advogado italiano que defenda seus direitos. Contudo, isso custa caro, muito caro.
Fica sempre a dica: pondere tudo muito bem, sobretudo as aventuras da “cidadania italiana na Itália”, que a cada dia fica mais incerta. Todo o santo dia recebo mensagens de pessoas desesperadas, feitas reféns de oficiais registro civil italianos que as torturam por sádico prazer. E isso para não falar dos assessores picaretas (existem poucos e bons assessores!), que quase sempre são pessoas sem qualquer formação que veem no mundo da cidadania um jeito de ganhar dinheiro fácil, em esquemas que se assemelham e muito a pirâmides financeiras.
Artigo escrito em 2018. Editado pela última vez em 3 de maio de 2021.
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