Há muitos e muitos anos digo nas redes sociais e fora delas: as transcrições de certidões de registro civil são uma consequência da posse da cidadania italiana e não uma sua causa. Sempre fui uma “vox clamantis in deserto“, ou seja, estive sozinho dizendo que não é a transcrição que nos torna cidadãos italianos nascidos no exterior, mas sim no status de cidadão italiano que leva à transcrição de nossos registros.
Portanto, primeiro somo reconhecidos como cidadãos italianos e depois se dá início ao procedimento administrativo de solicitação da transcrição do nosso registro de nascimento. As transcrições são certificativas e não constitutivas. As transcrições são necessárias por lei, obviamente, mas não são elas que fazem de nós cidadãos italianos.
Num recente vídeo eu disse o óbvio: quando alguém solicita o reconhecimento da cidadania a um consulado italiano quem reconhece a cidadania é o cônsul, que na sua circunscrição exerce a função de oficial do registro civil (“ufficiale dello stato civile“).
As transcrições são uma segunda e necessária etapa, mas a cidadania já foi reconhecida. Tanto é assim que o cônsul deve emitir um atestado que declara que “fulano é cidadão italiano” para acompanhar o pedido de transcrição.
De fato, o art. 17 do “Ordinamento dello stato civile” (DPR 396/2000), equivalente à Lei de registros públicos brasileira, diz claramente:
“A autoridade diplomática ou consular transmite para fins de transcrição os atos e declarações relativos ao cidadão italiano lavrados no exterior ao oficial de registro civil do comune […].”
Como se pode ver, o próprio “Ordinamento dello stato civile” diz explicitamente que os atos enviados para a transcrição são relativos ao….. cidadão ITA-LI-A-NO.
Mesmo isso estando claro como a água que desce dos Alpes, eu sabia que eu havia lido algo ainda mais contundente para aplacar polêmicas estéreis que querem nos diminuir na qualidade de italianos nascidos no exterior. Como infelizmente minha biblioteca encontra-se no momento encaixotada, levei algum tempo, mas finalmente achei o que queria.
Trata-se de um texto do embaixador Gerardo Zampaglione, simplesmente a maior autoridade italiana em direito diplomático-consular, autor de “Diritto consolare. Teoria e pratica”, uma obra de referência em 3 volumes que formou gerações de diplomatas e funcionários administrativos do Ministério das Relações Exteriores da Itália. Zampaglione discorre de forma cristalina:
“Os registros enviados para a transcrição na Itália […] devem ser relativos exclusivamente a um cidadão italiano. A cidadania deve, portanto, ser verificada antes do envio. Todos os registros a serem transcritos devem estar acompanhados de um declaração consular que ateste que eles se referem a um cidadão italiano.
A transcrição não tem, de fato, efeitos constitutivos, mas certificativos. Não é através da transcrição que se obtém a cidadania italiana; mas é a posse da cidadania italiana que leva à transcrição.”
Infelizmente, para quem não quer entender, nada será suficiente, nem essas claríssimas palavras de uma autoridade no tema e nem mesmo a própria lei italiana contida no art. 17 do “Ordinamento dello stato civile“.
O próprio Ministério das Relações Exteriores da Itália numa mensagem a todos os consulados datada de 21 de setembro de 2004 (protocolo 303/418534) afirma:
O procedimento de reconhecimento conclui-se, portanto, com uma declaração formal relativa ao requerente e é este ato que do ponto de vista substancial gera o valor legal do reconhecimento da cidadania para o interessado.
Na Circolare K.28.4 de 13 de novembro de 2000, o próprio Ministério do Interior da Itália afirma:
Tal interpretação, segundo o Ministério já citado, é coerente com os princípios gerais do Ordenamento do Registro Civil (a Lei de Registros Públicos italiana), “no âmbito do qual a inscrição ou a transcrição de um ato nos registros tem somente a função de atribuir certeza jurídica e dar publicidade a fatos registrados, mas jamais de incidir no momento constitutivo de um status jurídico cuja gênese dá-se exclusivamente dos atos e dos fatos aos quais a lei atribui a eficácia constitutiva da relação jurídica”.
Portanto, está mais do que comprovado que não é a transcrição que nos atribui o status civitatis (cidadania) italiano, mas sim que a transcrição é uma consequência desse status. A transcrição certifica, não constitui.
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